
Uma paisagem imóvel
do meu olhar infinito
Com um basta afável
suspiro
Estou de passagem
não me solicitem
gritem meu nome
às canetas
abafem meu socorro
com bits
reprimam meus desejos
com algemas
No regresso
um sorriso
simples
No banheiro, ele. Olhos verdes e boné. Ele, canalha. Do jeito que eu gosto.
- Achei que tivéssemos combinado na porta do cinema.
Engraçado, mas essa frase era para ser minha. Ele é esperto e se antecipa, jogando a culpa do suposto desencontro em mim.
- É. Combinamos.
- Por que você não apareceu?
Olho para a porta do banheiro para distrair a minha raiva e respondo que:
- Acabei encontrando um amigo no caminho e paramos para tomar uma cerveja.
Os olhos verdes encaram meus lábios enquanto falo e eu acho que esse é um dos momentos que não vai sair da minha cabeça nas próximas semanas. Pelo menos enquanto ele tiver alguma importância para mim. Enquanto essa historinha render.
Um mês de conversa na internet é convívio, não? Eu inventava desculpas frágeis para sair mais cedo do trabalho e colar os dedos no teclado. Jantava em frente ao computador para não perder um smile sequer. Sempre foi ele quem se despediu. Tenho de dormir, amanhã acordo cedo. Eu nunca tomei essa iniciativa. Nem em dia de rodízio em que acordo às cinco da manhã! Passávamos a madrugada relembrando as trilhas das novelas. Stay, Oingo Boingo – a minha preferida. Ele sabia que eu não era capaz de encerrar a conversa. Se não estivesse envolvido não perderia tanto tempo comigo, deve ter pensado. E se me conhece um pouco, também sabe que dormir é a coisa de que mais gosto, depois de afundar os pés na areia da praia.
Ele é bem mais bonito do que na foto. Bem mais bonito do que se descreve. Não é tão alto como disse e a camisa xadrez dá um ar de alguém muito mais desencanado do que desenhei. Melhor assim, gente de camisa me dá pânico. Podem falar da alta do dólar ou da viagem de cruzeiro que fizeram na Páscoa. Pânico. Mais pânico quando ele sugere:
- Vamos descer?
- Claro.
Um minuto e ele já me fez esquecer o homem do cigarro que me espera lá embaixo.
(Continua...)
Davi olha para mim e começa a chorar. Eu já achei mais bonitinho quando a respiração dele dá soquinhos e as palavras mal saem. Hoje penso puta que pariu! homem feito desses chorando que nem gatinho abandonado em terreno! Davi pisaria em mim se desconfiasse de alguém vindo em nossa direção numa rua deserta. Davi me aperta forte de susto no meio de um filme sangrento. Quando as luzes se acendem, ele me larga, ajeita o cabelo e sai da sala a passos apressados como se me esquecesse ali dentro com os assassinos. Davi gosta de se vestir bem. Roupas de marca, ele diz isso pelo menos uma vez por dia, ao telefone, nas minhas horas de almoço. Ele assistindo televisão: Leão Lobo. Para saber os lugares que as celebridades freqüentam.
Eu voando num balanço de playground. Sentada no colo de um rapaz. Nós dois em uma tábua de madeira lascada. O lugar vazio. Para frente e para trás. Davi longe. Nós dois alternando os olhares entre o céu e nossas latinhas. A cerveja gelando a garganta do rapaz. Assanhando a mão dele. Eu de saia branca. Nós dois, sob os olhos de Davi e a cerveja alimentando a terra do playground. A latinha caída de espanto. Davi no playground. Olhos perplexos começando a inundar diante do balanço.
Davi pede que eu desça do colo do rapaz. Enxuga as lágrimas e segura a minha mão. Acaricia o meu cabelo cor de mel. No apartamento, pede que eu tome um banho.
Davi na sala. Bermudas jeans e chinelo de couro. Assiste ao início da novela das oito. Pede que eu me sente ao seu lado. Não fala sobre o balanço, a cerveja, a mão assanhada dentro da minha saia. Davi consegue enterrar essas imagens no chão do playground. Não vai perguntar quem é o rapaz. Olhou para os sapatos dele e sorriu satisfeito, eu percebi. Davi não paga a conta de luz e não é dono do nosso carro. Davi pode suportar o que viu. Davi pode comprar a cerveja da próxima vez no meu cartão. Ele boceja e vai para o quarto. Acordará só amanhã às onze. Antes de bater a porta, pede que eu deixe o cheque em cima da mesa de jantar.