O insetinho queimando dentro do lustre. Um barulho a menos para desconcentrá-lo. De quê? Há horas olha para o quadro da irmã morta. Lembra-se do vestidinho lilás da foto. Foi a mãe quem lhe deu em um aniversário. Ela odiava as mangas bufantes. Reclamava Mãe, elas pinicam o meu queixo! Mães de pequenas princesas não ouvem. Mães de miniladies só enxergam e vangloriam-se. A menina mais linda do prédio! Como se a franja bem cortada e o cabelo louro – natural sim senhora, a mãe ofendia-se – fossem medalhas de honra ao mérito. As perninhas brancas ainda lisas, lisas. O seio vazio sufocado no tecido. Como seria se ela ainda estivesse aqui? Dormindo no quarto ao lado. Ainda pode ouvir sua respiração. Ainda escuta o choro dela de vez em quando. Esta noite não. Esta noite se lembra do olhar vago que ela tinha. Sempre deslizando anônima pela casa. Sua beleza empanada por alguma coisa que aos sete ainda não se sabe explicar. Ele mesmo, hoje com seus vinte e três, é incapaz de definir sentimento. Raiva, ciúme, alegria e ponto. Ela gostava de brincar com o bercinho desocupado. Nana nenê que a Cuca vem pegar. Uma vez roubou o canivete dele. O canivete virou boneca dormindo no bercinho. Nana nenê. A mãe não fala dela. Nunca falou. No velório, não quis abraços. Dizia Não se preocupem comigo. Não olhou na cara dele. No velório, ficou segurando as mãos dela. Fria. Pálida. Pequena. Mãos de miss de tão macias. Não deixou ninguém chegar perto. Ele sentado na cama continua olhando o quadro. Chora desespero, chora ausência. Enxuga as lágrimas e abre a primeira gaveta da cômoda. Escondida entre as roupas íntimas dele, a calcinha de rendinhas verde. Aproxima-a do rosto e chora amor, chora desejo. Goza saudade.