Eu não queria acreditar. No fundo, esperei que ele me dissesse o oposto do que eu pressentia. Se essa coisa de Orkut não existisse, talvez eu nunca soubesse.
Ele não era da minha turma. Era bagunceiro e não gostava de estudar. Mas sorria pra mim com vergonha. E quando queria me deixar constrangida na frente de todos, me chamava de branquinha, que é como minha mãe fazia. Meninos! Lembro dele batendo a régua na mão. Lembro dele cantando samba. Lembro de alguns jogos de futebol. Ele vermelho. Lembro de pouca coisa.
Nossas mães eram amigas. Conversavam na saída do colégio. Esperavam por nós. Mesma série. Os carros parados em fila dupla de vez em quando. Fala tchau pro seu amigo! Vocês não se falam na sala de aula?
A mãe dele era bonita e tinha um carrão. O cabelo comprido e loiro que pude rever nas fotos do álbum do irmão dele na internet. Ela continua bonita e ele seria tio. Mãe, olha só! Uma foto do primeiro a aniversário da neta dela! Cadê ele? Deve estar em Londres. Todo mundo vai pra Londres.
Nos últimos dias a minha mãe vinha insistindo para procurá-los. Sinto tanto a falta da minha amiga. Como será que ela está? Vocês falam tanto desse Orkut, mas não usam pra nada! E eu já pensei que se tudo estivesse normal, do jeito que os deixamos ou que eles nos deixaram – estaria normal e só. Trocaríamos umas mensagens. Casou? Virou pai? Médico? Vem pra cá qualquer dia e a gente sai. Tudo normal. Mas não estava.
Se lembro de tão pouco, por que que chorei quando soube da verdade? Londres nunca existiu, não é? Você também não era o fotógrafo da foto da sua sobrinha. Sua mãe ficou bem? Lógico que não. Você se lembra do Alan, seu amigo? A mesma história, dez anos antes. Manda lembranças por mim?
Estamos aqui. De onde só saio quando chegar a minha vez. Espero que não tão cedo. Já faço uma idéia de como será. Enquanto espero, escrevo algumas bobagens pra passar esse tempo. E tomara que alguém perca o seu lendo. E tomara que sirva pra alguma coisa. Porque tudo é tão curto. Quando nos damos conta, temos 30 anos e nenhuma foto da viagem dos sonhos. Porque ela não aconteceu. Quando acordamos, já se passaram seis meses e você ainda não disse como ele estava bonito usando um gorro de lã naquela noite. Não quero de repente, me deparar com o quarto de um hospital e três meses de vida.
Vou desligar meu computador. Entrar no banho. Deixar minhas lágrimas se confundirem com a água do chuveiro. E vou pra rua. Preencher a vida com melhores instantes. Chega de cadeira. Peciso participar mais do tempo. Querido amigo, fique em paz. Se puder olhar por mim de vez em quando, eu deixo você me chamar de branquinha de novo. Sorrindo. Na tristeza de minhas poucas lembranças.