Eu, deitada, serena, de olhos fechados e margaridas cobrindo o meu corpo do quadril até os pés. Obrigada, mãe. Era exatamente essa flor que comporia o meu buquê de casamento. Você preferia as rosas vermelhas, a tia também, mas gosto da beleza simples da dessa florzinha pequena e branca como eu. A família veio em peso. Achei que não gostassem de mim. Ou ficava quieta em algum canto da sala ou alfinetando o comportamento cafona de alguém ou me controlando para não pensar nisso ou duvidando que não haja um micareteiro na família da Fernanda Torres. A realidade: estavam ali por causa da minha mãe. Depressiva, apegada, frágil, dependente, dramática. Sou vaidosa e não aprovo a foto que está em cima da mesa. Poxa, mãe! Chegou uma coroa de flores. “Saudades. Amigos do Trabalho”. Onde estão que não vieram? Deletem o meu perfil no orkut! Pai você tem a senha. Não quero saber de mensagens para uma defunta. É esquisito. Nada de você vai fazer falta, te amamos para sempre, você foi única, não existirá melhor amiga, sua alegria ficará em nossas memórias. Não estarei mais aqui para ler nada. E juro que se for possível, volto e puxo o pé desses atrevidos. Um por um. Durante as madrugadas frias e sombrias de julho. É um desrespeito. É cômodo. Gostam de mim? Visitem-me no “Chora Menino”, estarei ao lado do limoeiro, onde se pode ver o pôr-do-sol mais bonito no verão de São Paulo. Tratem de não me esquecer ao longo dos anos. Quero figurar nos assuntos das festas de aniversários, nas fotos dos vídeos de casamentos, nas mesas das happy hours, na tela de proteção do computador, na lágrima e no soluço quando ele se tranca no quarto para chorar por mim sem que ninguém saiba. Quero todas as nossas cartas dentro de uma caixa especial colocada em um lugar de destaque na sua sala e que a sua mãe se emocione sempre que vocês se lembrarem de mim.
Deixem meus livros para a Joana, o carro para o meu irmão, minha cortinha de fuxicos para a Lila. Devolvam a coleção do Cartola para o Beto. Se quiser e tiver coragem, ela pode ficar com as minhas roupas. Registrem os meus textos, vai que. Atendam o meu celular e anotem o e-mail das pessoas (eu escrevi uma mensagem especial para os meus amigos atrasados). Não doem a Algodão para ninguém, por favor. Pintem a parede do meu quarto de vermelho e chamem a Ale para ver como ficou.
Fui embora e não realizei nada. Não era a minha hora. Nunca é. Quando ele se foi ainda sonhava tanto, ainda planejava voltar ao Brasil e morar nas serras gaúchas, fazer uma horta e cuidar de coelhos. Eu ainda queria uma vista para a lua, o marido de calça de pijama e as nossas tardes cheirando a manjericão e doces de Cora Coralina.
Um comentário:
Que lindo, Pri. Quantas imagens belas você me entregou com este texto. Obrigada.
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