Desde que ouviu o desabafo telefônico da mãe à tia Fátima, Dênis encasquetou com os lápis. Era capaz de abdicar do Yakult e da esfiha de carne do seu Brito no recreio. Em troca, pedia à avó que metesse na lancheira três bisnaguinhas com Ioio Cream, embrulhadas em papel alumínio e na garrafinha térmica, suco de maçã. Guardava as economias dentro do seu porquinho, comprado no farol da avenida Sumaré. Cabulava as aulas às sextas-feiras em um pinote à papelaria. Torrava os reais em lápis coloridos e macios. Separava-os de acordo com os locais. Na sala deixava os azuis; em seu criado-mudo, os brancos; no jardim, os importados do Japão; guardava três de borracha na mochila e a coleção da Faber Castell 36 cores escondia na gaveta de calcinhas da mãe. Em um domingo de manhã, a desgraça sussurrada ao telefone aconteceu. No banheiro, a mãe se debatia em tremores no azulejo. Ao abrir o armário das toalhas, o terror soprou a espinha do garoto. Encontrou um único lápis, o de maquiagem, apontado, quase no fim. Um lápis pequeno demais para caber de uma ponta da boca da mãe a outra. Seu plano falhara. A mãe mastigaria a própria língua e seus lápis de cor, escolhidos com tanto cuidado, não a impediriam de um canibalismo inconsciente. Derrotado pela culpa, Dênis se sentou na privada e chorou, enquanto sua mãe babava por socorro.
quarta-feira, 23 de abril de 2008
LÁPIS
de
Unknown
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