Eu me lembro das noites de domingo que passava em Santana. Na época, meus pais moravam na Europa por motivos familiares. Eu gostava de comprar vinho, fazer uma massa com o molho ensinado pela nonna e alugar DVDs na Blockbuster pra assistir sozinha. Tenho saudade. Eram dias mais românticos e eu lamento terem escapado de mim.
Eu esnobava os lançamentos e toda aquela gritaria acumulada e bem produzida de Hollywood. Só suportei de criança. Meu encontro era com o Cinema Europeu, pensando que alguém, igualmente interessado no assunto, poderia vir conversar comigo durante esses passeios à videolocadora. Eu era solteira e eram realmente dias mais românticos. Ninguém nunca me abordou entre um Fellini e um Godard. O corredor do Cinema Europeu era sempre vazio e fiquei triste quando, poucos meses depois, teve de encolher e dividir teto com seus irmãos Documentários, tão esquecidos pelos moradores de Santana, quanto eu.
Um domingo à noite, pelo meu amigo corredor, na companhia de Truffaut, Resnais, Moreira Salles, Coutinho e pensando que a pipoca teria muita manteiga desta vez, desemboco em Todos Dizem Eu Te Amo, que não era europeu e muito menos filmado no velho continente. Era um puro Woody Allen, nova-iorquino, que também brigava por um espaço na área fantasma da Blockbuster.
Woody Allen me acompanha desde então – ou vice-versa. Em minhas fases beats, tristes, tropicalistas, contemporâneas, azuis, desiludidas, alienadas, nacionais. Nunca mais abandonei seus diálogos, sua graça, suas crises, nosso amor pela Europa e o dele por uma Nova Iorque com cara de Europa. Esperar o novo filme dele é a garantia de que vou ter um daqueles domingos de volta. E quando esse momento chega, eu repito meu ritual: abro um vinho, preparo uma massa e vou me encontrar com ele.
Sempre senti falta de aplaudir bons filmes no cinema. Eu vou muito ao teatro e nada me chateia mais do que a “obrigação” do aplauso em peças que detesta. Em cinema, só presenciei algo parecido na pré-estreia de Cidade de Deus, na FAAP, há uns dez anos. Mas éramos jovens e eufóricos. Não sei se conta. Hoje, enquanto os créditos subiam, ouvi bem mais do que comentários e perguntas sobre o cartão do estacionamento. Ouvi aplausos. Aplausos merecidos. Era como se um pedido se realizasse. A pessoa que eu esperava naquele corredor, repleto de filmes rejeitados, estava ali comigo. E se multiplicava. Me juntei ao coro.
É meia-noite em São Paulo. Eu volto do filme com algumas frases anotadas e deixo tudo ecoando, enquanto subo a rua. Entro em casa e nem ligo a televisão para não contaminar. Falta alguma coisa ainda. Mas Woody Allen me consola “o presente é um pouco insatisfatório, porque a vida é um pouco insatisfatória”. E isso vai me preencher. Pelo menos por esta noite.
4 comentários:
Muito legal, Priscila! Compartilho tudo isso com você: a vontade de aplaudir no cinema (e de calar a obrigação no teatro), a espera ansiosa e o ritual por Woody Allen e o deslumbramento com esse último filme.
Talvez só não compartilhe tanto essa nostalgia do passado. Tenho consciência de tudo o que houve de bom, mas, também conscientemente, procuro esquecer essas saudades e olhar somente para as coisas boas do futuro.
Um beijo pra você! :-)
disse o dono de uma peça linda que fala de lembranças...
:)
beijos,
belo texto Pri !!!
valeu, matheus. bom trabalho aí pelo sbt hj e amanhã e boa viagem pra mim. rs
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