Nunca fui de arruda na orelha, alho na bolsa, imagem de
santa na carteira. Nunca atirei sal por cima do cabelo, estreei em ano novo
como saci. Nunca fui de acreditar em mau olhado, água benta, banho de
cachoeira, reza brava, sal grosso e ervas na calcinha. Mas me lembro da tia
Dulce me benzer com água e óleo, porque minha mãe pedia. O diagnóstico:
carregada, é inveja, filha.
A gente só sabe o que é inveja quando sente, antes disso,
não. Antes disso, ela não existe e todos os patuás são chatices de família, que
você deve fazer, quando a única coisa que quer é estar dormindo.
A inveja, quando senti, ignorei. Ou não nomeei inveja,
porque era pecado capital e eu estudei em colégio de freira. Não pode isso, não
pode aquilo. Me afastei da garota por achá-la pesada, minha desculpinha social.
Na verdade, o que tornava incômodo ficar na mesma sala que ela era o talento
que ela tinha e eu queria ter. Hoje eu sei. Na época não. Inveja, incômodo,
peso, energia ruim. Será que a menina um dia fez algum trabalhinho, para que eu
parasse de emanar aquele olhar de quero-ser-você? Ou simplesmente não
entendia a inveja, como eu na época? Será que ela me incomodava, porque também
sentia inveja de mim? Eu devo ter sido boa em alguma coisa. Ou não?
Ela, só ela, levantava a sobrancelha direita sem mover a
esquerda, como Scarlett O’Hara. E eu nunca tive truques faciais engraçadinhos
que tirassem o riso da família, durante um almoço de dia dos pais; ou dos amigos, no ônibus da excursão. Eu só chorava. E respondia. Lavaram até minha boca com sabão. Não adiantou.
Agora que sei, agora que sinto e assumo, volto às sabedorias
das tias. Sou alguém que dorme com proteção de ervas debaixo do colchão, acendo
velas e espanto ruindades, rezo antes de dormir.
Porque sempre pode ser culpa da inveja: costas travadas, solidão, cabelo
embaraçado, vírus no e-mail. É inveja, minha filha.
Um comentário:
Muito, muito bom!
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