Eu não era de falar sacanagem de graça. Não que me pagassem pra falar sacanagem. Acontece que eu não via propósito em dizer “Senta Aqui” ou “Pega Aqui” sempre que alguém me irritava. Cresci com a minha mãe me proibindo de falar palavrão em casa, porque era coisa de gente mal educada. E aí, um dia numa excursão de colégio, falei um Puta Merda! bem alto e um garoto, que eu achava uma graça, me olhou tão feio. Deve se deitar na cama de meias na companhia de uma mulher, aquele recalcado.
Aí, veio essa moda de Chupa Corinthians!, Chupa Bambi!, Chupa Felipão! Expressão excelente, mas que na minha opinião só ornava com futebol, com a boca bem cheia de raiva e glória. Eu ficava meio chateada. Poxa, o povo todo aí se lambuzando com o Chupa!, e eu aqui postando fotos no Instagram. Mas, sei lá, fora do contexto pareceria que eu tava convidando as pessoas pra alguma bobaginha. Eu ainda tava com medo de me entregar. Tipo a voz da mãe falando na nossa cabeça que isso é coisa muito feia de se dizer. De pequena, sorvete eu não chupava. Eu tomava, atitude de uma menininha com modos. Mas o Chupa! Eu tava quase chegando lá. Ele escapava pela minha garganta. Não demoraria muito pra eu.
Foi no meu apartamento. Sozinha. De ressaca. Como todos os sábados e domingos da minha vida nos últimos dez anos. A TV a cabo tava um lixo, mesmo assim achei The Next America’s Top Model, aquele reality show das meninas que querem ser modelos. A minha energia só tinha conseguido me cozinhar um miojo sabor churrasco, que jurei pela minha mãe morta nunca mais comprar - tenho certeza de que fiz a coisa certa. O jogo do Palmeiras e Goiás tava rolando na televisão. Palmeiras sendo humilhado. Não, eu não tava assistindo ao jogo. No Brasil, você sabe, basta morar perto de janelas pra saber como vai uma partida. Era um tal dos vizinhos dos prédios gritarem Chupa, Porco!, que foi me deixando incomodada.
Pausa para perguntar pela trecentésima vigésima sexta vez: por que assistir a um jogo de um time que nem é seu? Eu sou de São Paulo e sei que ninguém lá torce pro Goiás. Alô.
Voltando. Não sou torcedora. Mas quando nasci, me disseram: E você se chamará Priscila e será palmeirense. Só cumpri a primeira das ordens, mas não posso ignorar totalmente uma herança familiar. Seria mau-caratismo. Eu pulei do seriado das modelos pro jogo com o sangue fervente. Fiquei uns dez minutos torcendo pro Goiás, antes de perceber que eles tavam de verde e o Palmeiras, de branco. Resolvida a gafe, me concentrei na bola, achando que meu olhar biônico pudesse enfiá-la no gol do time adversário.
GOOOOOOL!
Do Palmeiras - foi o meu olhar biônico, certeza. Corri pra janela, escancarei a boca e gritei com vontade. Nunca o verbo chupar foi tão bem colocado. O fato de terem me devolvido com as piores ofensas que uma garota pode receber, nem me causou remorso. Gritar Chupa! emagrece. Porque não foi pros torcedores do Goiás, nem pros jogadores e toda a equipe. Eu gritei Chupa! pra toda vez que tive de engolir afrontas, em vez de cuspir uma resposta. Gritei Chupa! pro garoto do colégio que me recriminou por eu ter proferido um Puta Merda! diante da santa imagem dele e pra outras caras tão fresquinhos como esse. Gritei Chupa! até pra Tyra Banks que nem sempre faz a melhor escolha na eliminação das modelos. Eu gritei Chupa! pelo direito de falar que eu quero chupar um sorvete, em vez de tomar um sorvete. É só uma palavra. Dissílaba. Recomendo para menores de 18 anos. Gritem sem moderação.
Leia a coluna no site do Terceiro Tempo.
Um comentário:
Muito bom ,sei bem como é isso .Minha delicadeza não me deixa gritar certas palavras ,mas admito que na hora da raiva, é quase que inevitável soltar- mesmo que entre os dentes- um FDP OU PQP,agora com essas abreviações então ..Ficou tudo mais fácil rs.
Postar um comentário