quinta-feira, 8 de março de 2007

DECEPÇÃO 2 - BIQUINI


...foi solicitado que Débora usasse um biquíni no próximo desfile. Ela estava acostumada a desfilar de vestidinhos de princesas bem bonitos e bufantes. O preferido da menina era o azul claro, porque Diego, o vizinho, dez anos mais velho, diante de quem Débora corava, elogiara os olhos dela um dia. “Se ele gosta dos meus olhos e meus olhos são azuis, ele deve gostar de azul”. A mãe detestou a idéia do biquíni. Conversou com o marido, que também achou um absurdo e, pela primeira vez, se meteu na carreira da filha.
No dia seguinte Débora estava fora de todos os concursos de miss para sempre, ou até completar os seus dezoito anos. De tão feliz, a garotinha foi fazer um desenho num papel sulfite “emprestado” do escritório do pai. Quando a mãe viu a obra da filha, não entendeu o que significava um biquíni azul ao lado de Débora de vestido bufante, da mesma cor, mas mesmo assim decidiu pendurá-lo na geladeira. Débora fiou feliz. O biquíni salvara a sua vida. Se era um biquíni bom, devia ser azul, da cor de seus olhos. Azul da cor de que Diego gostava.
Ela, agora, acordava mais tarde, às oito horas da manhã. Deixou de sentir aquele sono matinal que a fazia dormir no banheiro. Era pra onde sempre ia quando queria fugir dos seus medos. Que lugar mais esquisito para alguém gostar de estar! Débora gostava mesmo assim. Além do chão geladinho apreciava sua imagem naquele espelho, de alguma forma a luz que entrava pela minúscula janela a deixava mais bonita. Os outros espelhos não eram tão generosos. A mãe dizia que ela era a menina mais bonita do colégio. Ela achava que a mãe a via do mesmo jeito como, naquele momento, ela se via no espelho do banheiro.
Desde aquele dia Débora nunca mais colocou um biquíni. Nem quando completou quinze anos e foi passar o final-de-semana no Guarujá com Renatinha, a melhor amiga. O traje lhe causava repulsa, vergonha. Renatinha achava bobeira e imitava a mãe, usava fio-dental rosa choque. Débora ficava de maiô azul e camiseta branca por cima. Na hora de entrar no mar, chamava mais atenção do que pensava que chamaria usando um biquíni “depravado”. Débora entrava no mar sem tirar a camiseta e os meninos que estavam por perto riam e gritavam “Gata Molhada”. Ela fingia que não ligava. Fingia que Diego não estava dando risada, ali, junto com os garotos. Fingia que ele também não a achava gorda. Fingia que a mãe nunca lhe insistira que usasse biquíni, depois de sua festa de debutantes. Fingia querer a festa mais do que ir para a Disney. Como ela contaria aos pais que não realizaria o sonho deles?
O desenho ficou pendurado na geladeira por uma semana. Débora criava um mais bonito cheio de flores. A mãe gostava de rosas e orquídeas. Um dia ganhou um dinheirinho do pai e gastou metade num buquê para a mãe. Assim como o desenho na geladeira, as flores só duraram sete dias. Débora achava que um buquê durava esse tempo. O desenho estava ficando pronto e ela poderia pendurá-lo na geladeira para sempre. Nunca mais as flores que daria a sua mãe morreriam. A mãe nunca comentou a “arte”. No dia seguinte, ele já estava amassado no lixo. A faxineira Glória o achou caído no chão e resolveu reciclar. Jogou com o saquinho do pão e os panfletos repetidos de pizzaria. Débora engoliu o choro.
Ficava triste com muita facilidade. A mãe a achava sensível demais e se irritava facilmente quando a menina abria o berrero. Aprendeu a engolir o choro sem querer engolir o choro.
Quando mudaram de casa, Débora perguntou ao pai se poderia brincar pela última vez. O pai sorriu e concordou. O que ele não sabia é que ela queria dar estrelas no quarto vazio. Pela primeira vez ela tinha espaço! Quando o pai foi buscá-la, para finalmente conhecer a nova casa, o novo quarto...
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