terça-feira, 30 de abril de 2013

O SOLUÇO




Olha para os trilhos do metrô. Para uma banheira e um secador. Para cordas. Para comprimidos. Olha do décimo sétimo andar. Sem ser tocada pelas ideias de antes. A porta abre, ela invade o vagão. Ocupa-se com o celular, os sapatos dos passageiros. Sempre tem alguém tossindo em cima dela. Sempre tem um senhor frágil que se recusa a sentar, quando lhe oferecem. Na TV, seu horóscopo nunca passa. Um casal chora abraçado, perto do assento preferencial, e ganha alguns segundos do foco dela. Segundos hipnóticos. Ela decide voltar para o celular, para os sapatos dos passageiros. Ela decide não se envolver. Repara em uma sandália lilás enfeitada com miçangas e ofuscada por um pé cascudo e unhas sujas. Um homem a encara. Um homem fedido a encara. Um fedido bom. Um fedido suportável. Cheiro de pessoa normal. O que é normal? Pedro se acha normal. Normal pra ele é não precisar de alguém como ela precisa. Ela é capaz de suportar essa anormalidade? Normal para Pedro é fugir dos clichês que ela aprendeu a gostar. Ele odeia o que tem que ser feito. Isso é normal para alguém como ele, que encara correntezas. Normal é escrever sobre ela não conseguir lidar com as normalidades dele. A menina do casal soluça. O garoto a abraça mais forte. Ela procura outra coisa para observar e repara que seu casaco está forrado de fios de cabelo. O que será que diminui queda capilar? A internet deve ter a resposta. A voz do motorista anuncia a estação em que ela costuma descer. Ela sai, abraçando uma mecha de cabelo frágil com o dedo indicador. Sem vontade de soluçar, sua anormalidade.
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