quinta-feira, 19 de março de 2009

EU QUERO SOPRAR CHUVA


Para ouvir ao som de Vai Desabar, do Gero Camilo

Me lembro de quando fiz dez anos. Uma chuva, como as dessa semana, invadiu São Paulo. E eu me enchi de orgulho por honrar a fama da cidade bem no meu dia! Desde então achei que todo dezenove de março fosse "desabar água". Pro resto da vida. Da minha. A caminho do shopping, o barulhinho de que tanto gosto. Gotas de água e granizo esparramando-se pelo capô do carro. Competiam com trovões. Eu estava feliz. Na loja de brinquedos, a voz do meu pai ordenou. Escolha qualquer um! Mas só um! Ele sempre fez assim. Eu sempre obedeci. Nunca abusei da carteira dele. Nunca pedi o castelo da Barbie. Nunca pedi uma casa de bonecas de dois cômodos. Pedia canetinha. Papel de carta. Bercinhos. Já o meu irmão. Bom, deixa pra lá. Escolha qualquer um! pra mim nunca funcionou. Travo com possibilidades. Prefiro que o presente me ache e pronto. Talvez por isso ainda não tenha alugado um apartamento. Não tenha viajado. Também não gastei os vale-livros que ganhei do pessoal do Antro. Não escolhi o namorado. Por isso arranjei um emprego que nem procurei.
De poucas coisas tive certeza na minha vida. De poucas talvez ainda vá ter. Certeza é da morte. O clichê dos clichês. De que quero escrever até lá. De que gosto de me vestir de preto. De que vou acordar cedo amanhã. De que gostei do filme do Selton Mello. Só. Saí da loja de brinquedos com uma maquininha de fazer chocolate debaixo do braço. Não amo chocolate. Mas gosto como materialização de galanteios. Menos do que flores. Talvez não fosse aquilo que eu quisesse ganhar de aniversário. Ainda não descobri. Hoje, não pedi nada ao meu pai. Não precisa. Eu adoraria um apartamento. Mas ainda não consigo abusar da carteira dele. Também não sei o que pediria se ele me perguntasse. Dê o que quiser. Sempre respondo assim. Não sei mesmo. Pensando bem. Queria saber tudo. Queria pedir uma pendrive abastecida de todos os bons livros do mundo. Queria plugá-la na minha cabeça e no segundo seguinte saber mais que o Abujamra, o Contardo, o Gearld Thomas. Mas não vai acontecer. Então vou de degrau em degrau. Por qual começo? Ou melhor, continuo. Por qual? Essa quinta-feira ainda não choveu. O céu azulzinho se esconde atrás de uma fumaça carregada de choro. Se eu não voltar cedo pra casa, pode ser que não chegue a tempo de ouvir o meu Parabéns. A família vai estar lá. Meu sobrinhozinho. Até o cachorro da Paulinha! E eu vou sentir falta da minha Pérola, que fugiu há tanto tempo. Hoje à noite, vou soprar vinte e oito velas mergulhadas no bolo de brigadeiro da Tia Dulce – o mais delicioso do mundo, que ela faz pra todos os meus aniversários desde que nasci, porque não faço questão de nenhum outro (mais uma certeza da minha vida) – e fazer um pedido. Talvez chova nesse momento. O que será que vai se realizar? Juro que não vou pedir dinheiro. Nem mais mil pedidos. Vou pensar em algo que eu realmente precise. Antes que esse desejo me encontre. Enquanto as gotas de chuva atacam os vidros temperados da sala construída pelo meu avô. Eu queria muito ele hoje comigo. Disso sim eu preciso. Mas não vai acontecer. Talvez eu peça mais certeza nas decisões. E se depois do sopro chover de verdade, estou preparada para as consequencias.
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