sábado, 14 de abril de 2012

MÚSICA ÚMIDA


Das vezes que chorei por causa de uma música, a tarde mais marcante foi aquela de Lins. O calor que fazia debaixo do céu e o sorveteiro aliviando. Ver televisão na frente do ventilador, pra não grudar no sofá de couro, ainda perturbada pela história da conhecida, que encontramos no centro da cidade e descrevia como o seu marido tinha cegado, porque chegou perto demais das hélices do ventilador. Eu pensei que ele chorava e, com vergonha de que a mulher descobrisse, ao secar suas lágrimas com o vento artificial, que deixa a voz vibrando, se aproximou do ventilador mais do que o preciso.

Nas férias, eu visitava os avós no interior. Toda a família visitava. Nós, os sobrinhos, dormíamos no quarto desocupado por camas, mas que tinha sofá e vitrola. A gente se amontoava em colchonetes fininhos e almofadas duras serviam de travesseiro. A tia Dina dormia com a gente como se fosse bedel e me ensinou uma oração que sei até hoje. Quando a luz se apagava, a única coisa que não se escondia no breu era um vaga-lume vermelho perto da tia, que depois de sete minutos sempre morria, levando com ele o cheiro esquisito de fumaça. Nesse quarto, naquela tarde, foi para onde escapei, deixando minha família na sala. Sempre fui de me trancar, é quando as confusões primeiro escorrem, pra depois se assentarem.

Eu sou da época dos discos. O primeiro que ganhei foi o de uma banda nacional de garotinhos, dessas que apareciam na televisão para cantar e tocar com os instrumentos sem fio. Embaixo da vitrola, uns discos que nem me lembro mais, com exceção desse que escolhi. A música se apresentava na última faixa do lado B e eu me levantava do sofá, grudento e salgado, sempre que acabava, para repetir. Falava sobre querer alguém que foi embora e não voltaria mais. Era só uma música. Eu só tinha seis anos, o que eu sabia de amor? Eu só tinha seis anos e, naquele dia, aprendi da vida. Foi só um grão. A música me contou como as histórias poderiam ser. Como eu poderia escolher me sentir. Só porque alguém se sentou e escreveu, em vez de usar um ventilador pra disfarçar sua tristeza.

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