segunda-feira, 10 de junho de 2013

INVEJA SE APRENDE



Nunca fui de arruda na orelha, alho na bolsa, imagem de santa na carteira. Nunca atirei sal por cima do cabelo, estreei em ano novo como saci. Nunca fui de acreditar em mau olhado, água benta, banho de cachoeira, reza brava, sal grosso e ervas na calcinha. Mas me lembro da tia Dulce me benzer com água e óleo, porque minha mãe pedia. O diagnóstico: carregada, é inveja, filha.

A gente só sabe o que é inveja quando sente, antes disso, não. Antes disso, ela não existe e todos os patuás são chatices de família, que você deve fazer, quando a única coisa que quer é estar dormindo.

A inveja, quando senti, ignorei. Ou não nomeei inveja, porque era pecado capital e eu estudei em colégio de freira. Não pode isso, não pode aquilo. Me afastei da garota por achá-la pesada, minha desculpinha social. Na verdade, o que tornava incômodo ficar na mesma sala que ela era o talento que ela tinha e eu queria ter. Hoje eu sei. Na época não. Inveja, incômodo, peso, energia ruim. Será que a menina um dia fez algum trabalhinho, para que eu parasse de emanar aquele olhar de quero-ser-você? Ou simplesmente não entendia a inveja, como eu na época? Será que ela me incomodava, porque também sentia inveja de mim? Eu devo ter sido boa em alguma coisa. Ou não?

Ela, só ela, levantava a sobrancelha direita sem mover a esquerda, como Scarlett O’Hara. E eu nunca tive truques faciais engraçadinhos que tirassem o riso da família, durante um almoço de dia dos pais; ou dos amigos, no ônibus da excursão. Eu só chorava. E respondia. Lavaram até minha boca com sabão. Não adiantou. 

Agora que sei, agora que sinto e assumo, volto às sabedorias das tias. Sou alguém que dorme com proteção de ervas debaixo do colchão, acendo velas e espanto ruindades, rezo antes de dormir. Porque sempre pode ser culpa da inveja: costas travadas, solidão, cabelo embaraçado, vírus no e-mail. É inveja, minha filha.

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