segunda-feira, 16 de abril de 2007

OURO PRETO


Decidiu fazer aquilo, que há muito tempo desejava. Fechou o apartamento alugado na Vila Romana. Pediu mais um mês à proprietária, assim a mãe poderia vender todos os móveis que um dia comprara, cheia de planos. Decidiu levar apenas o DVD e a vitrola. Os discos chegariam depois. Não gostava mais da geladeira, das cadeiras do fogão. Até a mesa de centro era a cara dele.
Decidiu fazer aquilo, que há muito tempo desejava, em abril. Estava um friozinho bom, mas o céu, aberto. Lembrou da época na Toscana, em que um casaco, ao sair de casa, era preciso.
Foi de carro, com medo. Era a primeira vez que se aventurava numa estrada. Sua estréia não poderia ser pior. Buracos e mãos duplas definitivamente a deixavam estressada.
Ouro Preto era logo ali depois de Belo Horizonte, depois da serrinha. Já podia sentir o cheiro gelado das montanhas. Sensação boa. Sempre a fazia sorrir. Pensava nas ruas de paralelepípedos e nos restaurantes charmosos. Recordações. Queria apagar ele daquela cidade. Era impossível. Estivera lá sempre em sua companhia. Passeavam por cada igreja e por cada lojinha de mãos dadas. Torceu para que não levasse o ano inteiro, que passaria ali, para se esquecer.
Na cidade mineira ficaria em paz. Adorava a idéia de ser vista como forasteira. Uma pena não poder chegar num conversível com óculos de sol grande e lenço no pescoço. Uma pena também não poder chegar de escarpin, afundaria o salto no vão entre os paralelepípedos, assim que descesse do carro. Perderia a pose. A curiosidade que causaria nos moradores daria lugar a piadinhas ditas pelas costas. Por isso resolveu ser mais moderna e chegar de All Star, era alta e podia se dar ao luxo de calçar tênis.
Uma vida diferente era o que esperava. Um pouco de solidão pelas manhãs, um banho morno no banheiro de vitrais. Depois o som dos teclados, tac tac tac, escrevendo histórias. O cheiro dos seus temperos na hora do almoço e o prazer em fazer tudo na panela de ferro. Temperos também se pareciam com ele. Escolhiam juntos em lojas especializadas. Tentaria transformar tudo em passado nas noites charmosas subindo e descendo escadarias e ruas, entrando como intrusa nas festas das repúblicas. Homens bebendo cerveja e olhando as meninas. Haveria de ter um gato pingado por lá, assim como ela. Poderia transformá-lo em sua nova dificuldade, em seu novo passatempo, na sua saudade.
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