terça-feira, 15 de novembro de 2011

DENTRO DA PISCINA



Talvez fosse tímida ou careta ou as aulas de religião haviam cumprido seu papel. Pecados pagos com rezas e a vida continua, irmã. Talvez simplesmente não pensasse em garotos, nem que pudessem chegar tão próximo, como as mãos de Vítor na calcinha do meu biquini. A cosquinha que senti era de quase fazer rir. Quase. Olhar para a cara dele nem pensar. Mais justo sair da piscina infantil e levar o fato ao julgamento da coleguinha, uma ruivinha vesga. Poderíamos decidir juntas o que tinha acabado de acontecer.

- Ele também passou a mão em mim!

Então isso era Passar a mão? Não pode, reza três Aves-Marias, lembrou o fantasma da mãe. Menina que deixa passar a mão é galinha. Galinha eu sabia o que era e não queria ser uma. Acho.

- E também passou no meu cu.

Não pode falar Cu também, um Pai-Nosso. Concordei com o fantasma. Sempre achei essa ruivinha vulgar. Ou a minha mãe disse que ela era. Não me lembro.

- É gostoso, né?

Você, leitor, se sente obrigado a concordar com um Né? Eu sim. Ou porque tenho pena de chatear as pessoas ou porque tinha gostado da sensação que os dedos de um garoto mais velho tinham despertado na minha, você sabe. Voltamos as duas para a piscina então.

Éramos as únicas crianças aproveitando o sol da tarde e as férias no condomínio. Vítor à espreita. Esperando nossa fingida desatenção. Aos nove anos, eu nunca a tinha espiado nem por um espelhinho durante o banho. Não entendia de onde Vítor tirou a estranha ideia de roçá-la. Criatividade. Eu podia mais. Muito mais do que usá-la para fazer xixi.

Eu mal tinha deixado a água molhar a coxa, Vítor decretou sua preferência e avançou na ruiva como um enxame. Ela parecia ter frequentado alguma aula que cabulei. Não me estranha, já resolvia equações e aprendeu a Salve-Rainha antes de todos. Ela não restringia as áreas do seu corpo para os dedos de garotos de treze anos. As garras do Vítor, acho que cortadas por linhas encharcadas de cerol - assim desconfio pela aspereza que pude sentir na minha vez -  deslizavam sem economia pelo corpo da ruivinha vesga. E ela reagia como se treinasse a vida toda com bichos de pelúcia, dos grandões, trancada em seu quarto de noitinha, longe dos ouvidos dos pais. Eu assistia a tudo em parceria de um sentimento próximo àquele quando a sua irmã ganha uma Barbie e você meias brancas de Natal. Algumas cabeças espionavam, emolduradas pelas janelas dos apartamentos mais baixos. Vítor não me notava mais. Eu ia perdendo as esperança de brincar de quase riso de novo. Como aquela zarolha poderia vencer o meu rostinho de boneca? Se eu morresse afogada, talvez nem as cabeças curiosas notassem. Eu não tinha mais nada.

Na tentativa de provocar-me o quase riso, meu mais recente amigo, tentei eu articular as  falanges, que de tão delicadas e medrosas recusavam-se a me explorar dentro da água. Eu precisava de Vítor, mas ele e a vesga continuavam num insuportável nado sincronizado e tátil. Então tirei a calcinha do biquini, pensando que ele poderia estar enjoado da lycra como obstáculo. Acomodei-a na borda da piscina e esperei. Esperei. O fantasma da minha mãe gritava, enquanto Vítor se aproximava. Eu pensava que se eu fosse galinha mesmo, poderia resolver com três aves-marias e um pai-nosso no próximo domingo. Mas a brincadeira estava ganha. E eu quase riria a tarde toda.
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