sábado, 23 de maio de 2009

MINHA CARTA DE ADEUS

 

Eu não queria acreditar. No fundo, esperei que ele me dissesse o oposto do que eu pressentia. Se essa coisa de Orkut não existisse, talvez eu nunca soubesse.

Ele não era da minha turma. Era bagunceiro e não gostava de estudar. Mas sorria pra mim com vergonha. E quando queria me deixar constrangida na frente de todos, me chamava de branquinha, que é como minha mãe fazia. Meninos! Lembro dele batendo a régua na mão. Lembro dele cantando samba. Lembro de alguns jogos de futebol. Ele vermelho. Lembro de pouca coisa.

Nossas mães eram amigas. Conversavam na saída do colégio. Esperavam por nós. Mesma série. Os carros parados em fila dupla de vez em quando. Fala tchau pro seu amigo! Vocês não se falam na sala de aula?

A mãe dele era bonita e tinha um carrão. O cabelo comprido e loiro que pude rever nas fotos do álbum do irmão dele na internet. Ela continua bonita e ele seria tio.  Mãe, olha só! Uma foto do primeiro a aniversário da neta dela! Cadê ele? Deve estar em Londres. Todo mundo vai pra Londres.

Nos últimos dias a minha mãe vinha insistindo para procurá-los. Sinto tanto a falta da minha amiga. Como será que ela está? Vocês falam tanto desse Orkut, mas não usam pra nada! E eu já pensei que se tudo estivesse normal, do jeito que os deixamos ou que eles nos deixaram – estaria normal e só. Trocaríamos umas mensagens. Casou? Virou pai? Médico? Vem pra cá qualquer dia e a gente sai. Tudo normal. Mas não estava.

Se lembro de tão pouco, por que que chorei quando soube da verdade? Londres nunca existiu, não é? Você também não era o fotógrafo da foto da sua sobrinha. Sua mãe ficou bem? Lógico que não. Você se lembra do Alan, seu amigo? A mesma história, dez anos antes. Manda lembranças por mim?

Estamos aqui. De onde só saio quando chegar a minha vez. Espero que não tão cedo. Já faço uma idéia de como será. Enquanto espero, escrevo algumas bobagens pra passar esse tempo. E tomara que alguém perca o seu lendo. E tomara que sirva pra alguma coisa. Porque tudo é tão curto. Quando nos damos conta, temos 30 anos e nenhuma foto da viagem dos sonhos. Porque ela não aconteceu. Quando acordamos, já se passaram seis meses e você ainda não disse como ele estava bonito usando um gorro de lã naquela noite. Não quero de repente, me deparar com o quarto de um hospital e três meses de vida.

Vou desligar meu computador. Entrar no banho. Deixar minhas lágrimas se confundirem com a água do chuveiro. E vou pra rua. Preencher a vida com melhores instantes. Chega de cadeira. Peciso participar mais do tempo. Querido amigo, fique em paz. Se puder olhar por mim de vez em quando, eu deixo você me chamar de branquinha de novo. Sorrindo. Na tristeza de minhas poucas lembranças.

 

 

segunda-feira, 18 de maio de 2009

DESCANSAR A CABEÇA EM...

Descansar a cabeça doente em areias claras. Não sentir culpa ao mimar os olhos com as reverências das ondas. Pensar nele de vez em quando. Nos objetivos, sempre. E desejar a água de coco mais gelada. O silêncio acobertando inquietações. As conclusões erguendo-se abatidas. Uma esperança de que nada mude. Mas que graça teria se tudo permanecesse? Cansar-se do conforto produz estímulo. Temperar a vida buscando momentinhos felizes. Posso pensar mais um pouco? Enquanto observo o mar escurecer cheio de adeus. Posso? Posso saciar a mágoa com lágrimas? E posso protegê-las da exposição? Só quero encontrar alguma coisa que ainda nem sei. Mas venho sonhando, durante as tardes, que preciso. No momento, minhas boas intenções sofrem. Minhas mãos. As ideias. A segurança. E tudo pode parecer tão recente. O grito sem propósito. Eu não deveria ter passado a tinta por cima da angústia que me cerca. Mas que outro jeito conheço eu para escapar de discórdias? Quero continuar seguindo. De perto. Posso? Com algumas restrições. Revezo a atenção entre consequências e bisbilhotadas ao céu que se maquia de vermelho. E decido. Me interromper? Não posso mais.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

CORPO ALUGADO

Pediu café. Bastante leite, moço. O gosto tem me enjoado. Gravidez? Não, não estou. Tem açúcar mascavo? Aprendeu a usar com a amiga. Então adoçante serve. Ajustou o cachecol laranja no pescoço e encostou os joelhos. Pés distantes. Sentada. Observava a vitrine da loja. Será que já está na hora das compras de inverno? Gosta de comprar tudo o que precisa de uma vez e sofrer mais tarde quando se interessa por peças que descobre em pequenas lojas de bairros moderninhos. Não pode mais gastar. Os olhos perdendo-se nos tecidos. Será? Aquela calça verde ficaria bem nela. Verde lembra alguém que a detestava no colégio. Um menino passa tomando um sorvete de cheirinho bom. Está frio. Estou gorda. Não posso. Talvez a calça verde ficasse bem há dois meses. Tem abusado de refrigerante e frituras. Por que faz tudo errado? Nunca foi assim. O que a faz ignorar tanto o espelho? Trabalho. Deve ser. Trabalho jogado no lixo. Melhor do que unhas postiças. Quando o celular toca, um número que desconhece. Não é mais aquele número perturbador. A voz, também desconhece. Quem é?, repete. Do outro lado, o silêncio é esmagado pelo som da linha telefônica. O sorvete do menino derrete e lambuza seus dedos e boca. Gritam seu nome. Não é ninguém. Estão de brincadeira comigo! Decide ir pra casa. Eu não sirvo pra passear no shopping mesmo. Moça, onde paga o estacionamento? Droga, deixei cair café na blusa! Moça, essa mancha sai? Não quer jogar fora a blusa. Tem um encantador valor sentimental. E de repente se lembra daquele sorriso. Ainda? Olha para cima e enfrenta Você tem de concordar que aquele sorriso absorve. Olha para baixo e entristece Sim, um canto de sereia. Desiste da mancha. Pra quê? Não tem mais conserto. Aproxima-se do carro. Um bilhete escrito a mão. Preso no limpador de para-brisa. Conhece a letra. Sente uma náusea típica da lembrança dessa letra. Do último adeus. Dos próximos meses mudos. Segredo trancado em seu rancor. A letra molhada. Você chorou? Ou guardou em potes a minha tristeza e agora me zomba? Rasga o bilhete e despeja os pedacinhos no lixo perto da porta. Era só o que me faltava! Foge fisicamente do dono da letra. Há meses. Mas ele se espalha por ela. Em uma foto encontrada na gaveta. Numa lembrança ruim. No próprio jeito como aumenta o volume do rádio. Numa blusa que escolhe para passear no shopping e falece manchada de café. A blusa que usava. A blusa que atraiu um romance vencido. Livra-se dela ali mesmo. As pessoas parecem não se importar. Até quando você vai continuar impregnado em mim? Tento me desfazer de suas frações. Aos poucos. Ou montes. Com violência delicada. A próxima pode ser a minha alma. E eu vou te culpar. Com uma carta enorme e bem escrita. Desaparece! Você e essa letra borrada. Sua voz fria. Os toques ausentes. Tudo o que eu queria hoje era comprar uma calça verde e usá-la, sem que você tivesse alguma coisa a ver com isso.

VAIDADE EM CARNE VIVA

Orgulhosa eu? (irônica) Imagina. Quem foi que me disse isso? Esses dias mesmo. Ah, lembrei! Mas não quero contar. E quem foi mesmo que disse que eu sempre faço isso? De começar um assunto e interromper. Lembrei também! Não são as mesmas pessoas. Mas gosto das duas. Ou melhor, dois. Eles adoram me definir. Ainda bem. Porque eu mesma nunca sei. Quando interrompo um assunto é porque racionalizei a situação e prefiro perder a piada. Ficar com o amigo. Manter, digo. Sempre. Melhor fugir de aproximação. Objetivos carnais alcançados e o abracinho inocente de oi ganha outra interpretação. O beijinho ingênuo na rosto não deve mais dar as caras. Pode explicitar alguma coisa que talvez nem exista. Mas alguém percebe quando existe? Talvez finjam que não. Adoro fingir. Gosto de fingir que não estou nem aí. Quando alguém me olha, gosto de fingir que não é comigo. Se me olham feio, não é comigo mesmo. Uma vez fingi tão bem que quase. Deixa pra lá. Voltando ao meu orgulho. Às vezes eu guardo ele embaixo do tapete. Semana passada. Engoli o orgulho e fui até a porta te pedir um favor. Antes que você me visse, ele reapareceu não sei de onde. Me puxou pra dentro da festa de volta. Espero que ninguém tenha visto - o braço a torcer - porque me arrependi. Meio minuto depois. Fatal essa metadinha. Alguém desconfiou das minhas intenções? Boas. Deus me livre! Ninguém precisa saber. Você? Achei que soubesse. Finge que não? Por mim, tudo bem. Vou fingir também que nada aconteceu. Você gosta do meu abracinho inocente de oi? Talvez ele não fosse tão inocente. Eu disse talvez. E também disse fosse. Também não preciso te contar tudo. Você pode fingir que percebe de vez em quando? Quero dormir com a sensação de dever cumprido. De Fiz a minha parte. Fiz? Mesmo assim. Ainda acho. Como última tacada. Que deveria. Talvez. Antes de desistir. Só pra deixar mais claro. Pois pode ser que você não entenda. Te dizer que.

sábado, 9 de maio de 2009

PORQUE ONTEM FALAMOS BEM DE VOCÊ

 

Alguém por quem ainda não posso esperar entre olheiras denunciadas ao espelhinho do banheiro e as espiadas da janela. Cortina leve, transparente e vermelha. Como você. Obedecendo ao vento. Qual caminho ele te sugeriu esta noite? Ainda é cedo. Você sempre reestreia pela manhã. Distorcido e acompanhado. Gentilezas e promessas preenchendo a ruazinha de paralelepípedos. Metade de mim escondida atrás da cortina. Arquitetando um dia ocupar o seu lado direito e ignorar a minha janela vazia ao passar.

 

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