O que fica é a temperatura quente do mar. A contagem das ondas. As conchas. A cadeira dura. Uma canga na areia. Cervejas. Um peixe com baião. Uma foto. Dentes aparecidos. Meu coração transformado
O que fica é a temperatura quente do mar. A contagem das ondas. As conchas. A cadeira dura. Uma canga na areia. Cervejas. Um peixe com baião. Uma foto. Dentes aparecidos. Meu coração transformado
Despeço-me do sorriso doce. Do jeitinho dado. Do abraço contido. Da foto posada. Do olhar desconfiado. De um encontro escondido. Do disco emprestado. Que fiz questão de riscar com a ponta do salto para gritar de dor sempre que tocar.
Digo adeus à imaturidade. À falta de coragem. Aos seus contatos. Aos seus excessos. Aos textos inspirados. Aos momentos confidenciados ao travesseiro. Aos seus apelos que apertam as minhas mãos. Às músicas que me lembram. Às lágrimas enjoadas da superfície do meu rosto. À ansiedade do dia seguinte a você. A todo o encanto que há em uma história poetizada.
Despeço-me de um olhar desviado. No meio de uma conversa. Entre algumas promessas. E de todos os beijos trocados que eu teria de suportar.
Escolho um boteco sujo. Desses em que baratas andando pelos cantinhos repletos de migalhas de pão e poeira recebem nome e carinho do chapeiro. Sentamos ao lado da máquina de karaokê. A mesa é de madeira. Sem que eu peça, o garçom serve uma Original, dois copos. Traz também uma dose de Nega Fulô, amigo! O homem não tira os olhos de mim. Não são verdes, como os que me deixaram plantado na porta do cinema. Ele me paga! Os olhos do homem são pequenos. É a boca que chama atenção em seu rosto. Tomo um gole da cerveja. Cacete! Gelada, boa. A Nega Fulô vai da mão do garçom para a mesa de madeira para a mão de homem para sua boca. Grande. Bebe como tequila.
- Rola aquele cigarro?
Ele acende com um palito de fósforos que tira de uma caixinha de seu bolso. Calça jeans rasgada, azul clara. E traga.
O homem joga a fumaça em meu rosto. Sorri com sua boca grande e me beija.
- Qual é o seu nome?
Qual é meu nome? Não pago bebida para conhecidos. Pode me chamar de. De Tico. E me beija de novo. Morde a minha boca. Forte. Minha língua prova o sangue em meus lábios. Preciso ir ao banheiro.
No banheiro, ele. Olhos verdes e boné. Ele, canalha. Do jeito que eu gosto.
(Continua...)
... para mim e sorri. Eu:
- Quer um cigarro?
- Você não fuma.
- Não...
- Não estou mais bêbado, obrigado.
- Prazer.
- Igual.
- Quer...?
- Já disse que não.
- Beber.
- Sim, sempre.
- Uma cerveja.
- Cachaça.
- Eu pago!
(Continua...)
Em vez de ditar-se à boca
a palavra recuou
Mais graça teria
um dedo indicador
contar segredos
à superfície de uma mesa molhada
de gelo
derretendo
no canto do bar
Chego atrasado como sempre faço. Largo o carro no estacionamento. Portas abertas. Quase esqueço o comprovante e levo as chaves. O filme está para começar. Ele me esperou?
Um homem, o de sempre, bonito, bem bonito, me pede um cigarro. Ele sempre me pede cigarro. Devo ter cara de fumante. Na volta passarei em uma padaria para comprar um maço. Poderemos conversar da próxima vez.
Ele não está no saguão. Entrou? Ligo. Caixa Postal. Falo com o porteiro. Nenhum homem de boné entrou na sala. A moça da bilheteria deve saber. É alto. Charmoso. Olhos verdes. Ela teria notado. Ele não veio. Mentiu? O caixa do café! Ele parece gostar de café. Parece ter o hálito de café e hortelã. O caixa só vendeu capuccinos hoje. Tem cigarro. Marlboro, por favor. Ele não veio. Teve medo. Eu é que não vou desperdiçar uma noite quente com diálogos mal-escritos. Prefiro jogar xadrez.
Na porta do cinema, o homem, o de sempre. Olha para mim e sorri.
(Continua...)
(Inspiração da semana: espere sentada.)
Espera de pé por uma dança
Quando cansa,
senta-se
Quando procurada,
valsa
Quando tocada,
deita-se
De um lençol marcado,
levanta-se
e veste-se
para contrariar o desejo de quem nela enlouquece