domingo, 1 de março de 2009

QUER OUVIR?

Tinha um show pra ir. Bacana. Falar bacana voltou a ser brega? Desde quando? Tinha esse show. De uma cantora que usa saias de fada. Usa saias de fada e fala palavrões quando o guitarrista sola. Eu gosto. Já subi no palco e dancei entre as pernas dela. Ela lambeu meu rosto. Imagina, é cena. A saliva dela é quente e deixa cheiro de camomila. Existe pasta de dente sabor camomila? Existe dente estressado? Deve ser de gente que tem bruxismo. Não. Não fui ao show. Claro que não! Afinal estou aqui começo de madrugada te ligando. Poderia ter ido, né? Deveria? Não quis. O lugar é muito cheio. Escuro também. A música estaria alta. Hoje eu só queria ouvir pessoas. Qualquer merda que quisessem me falar sobre um assunto de minha escolha. Eu também sei escoher, sabia? Lógico que não! Ninguém me falou nada. Meu telefone também não tocou. Ele tem tocado pouco. Sabe o que eu fiz? Apaguei todos os números da agenda. Não é bobagem. Sei de cor o telefone de quem importa. O resto ali só ocupava espaço e me fazia sentir popular. Puxa, quanta gente eu conheço. Sabe, que nem aquele povo que tem mil amigos no orkut? Adiciona até o frentista que enche o tanque toda manhã atrasada de segunda-feira. Quanta gente eu conheço... Posso contar nos dedos de uma mão com quantas eu já tive conversas significantes e quantas delas só querem se fazer gente em uma conversa. Não ligam pro que você é, nem pro que tem a dizer, suas dúvidas, angústias. Eu tenho que ficar lá fingindo interesse na vida delas. Pra não ser desagradável. Só estão preocupadas em contar e contar e contar . Eu, eu, eu! E quando conseguem de você o que querem, o celular nunca mais toca. Então apaguei. Apaguei logo a agenda toda. De A a Z pra não cair na tolice de mensagenzinhas ébrias de fins de noite. Daquelas que você, quando acorda, pergunta se sonhou ou aconteceu mesmo. E sempre aconteceu. Você não sonha que está beijando o seu amigo que não sai do seu pé e vive implorando por uma noite ao seu lado. O coitado se humilha tanto como você no momento das mensagenzinhas. Humilhante. Nunca retornam. O objetivo foi cumprido. E você pára. Mas também só dura uma semana. Até você beber de novo e acordar pensando se o vômito e o tapa na cara de um fulano de quem você está com raiva eram reais. Eram? Fala que dessa vez não, por favor. É lógico que eram! Tem vômito na sua bota! O dia amanhece amargo. E uma vontade de ficar sozinha acompanha a cara péssima borrada com rímel. E por que eu não fico? Por que não tranco a porta do quarto e coloco um samba bem melancólico e deixo a tristeza vazar? Marcando um caminho negro em meu rosto. Caindo. Caindo. Caindo... Por que eu não vou ao cinema ver um filme que acabe comigo? Mais um pouco. Só pra saber que existem pessoas em piores situações - mesmo que de mentirinha. Por que não vou pra uma igreja rezar? É. Confessar. Entrar naquela cabine, inventar um monte de pecado e colocar a dor - única verdade - no meio deles. Quantas Ave Marias são necessárias para que se perdoe um amor? Deus perdoa a força de um sentimento que deveria ter morrido há tanto tempo? Se eu acendesse treze velas de sete dias e pedisse para esse encosto não me tocar delicado nem olhar para dentro de mim - sua vaidade sugando meu coração - eu estaria livre? Não fui ao show. Quer saber? Eu ia. Ia sim. Eu pensei que estar muda incentivasse conversas. Mas não. Ninguém falou comigo. Ninguém me falou nada. No show eu não precisaria falar. Só dançar e quem sabe receber um beijo pra calar a minha mudez. Depois de um beijo não há como não sorrir alguma coisa. E o sorriso é voz. O sorriso depois de um beijo é a voz de uma felicidadezinha. O sorriso diz obrigada à pessoa e cochicha no seu ouvido tá vendo? u still rock girl! - mesmo que depois a insegurança agarre suas orelhas e grite é só uma noite! e você diz que anota o telefone dele. Mentira. E se convence é só uma noite... Tem quem me queira só por uma noite. A maioria quer. A maioria quer todo mundo só por uma noite. Não "pelo menos" por uma noite. "Só" por uma noite. E então a dúvida: render-se ao jogo ou não se trair? Eu juro que queria enxergar esse assunto com mais leveza. Claro que eu juro. Você não acredita em mim? Pois é, eu sei. Não consigo. Deus me perdoa? O Deus de hoje eu tô falando. Esse aí que usa internet e aceita divórcio e camisinha. Ele perdoa esse meu sentimento que persiste? O fato de eu não ter amores efêmeros? Ele fala de amor próprio? Você sabia que eu acho ridícula essa história de amor próprio? Sabia, né? Eu tô ficando repetitiva, eu sei. Mas não dá pra exigir amor próprio no meio de uma paixão. A pessoa não sabe nem distinguir quando tá sendo inconveniente, imagine ter noção de amor próprio. Parece expressão de auto-ajuda, né? E por que Deus não libera mais algumas coisinhas pra gente? Tipo aquele mandamento de Não Matarás o Próximo. Quando a coisa deixa de existir a gente vai esquecendo. Esquecendo. Esquecendo... Eu não lembro mais da melhor amiga da oitava série. Tão importante. Não, ela não morreu. Mudou com a família pro interior de Goiás. A gente se correspondeu por cartas algumas vezes. Depois foi ficando chato. Ela não fazia mais parte da minha vida. Pra que contar coisas pra estranhos? Foi o que pensei em fazer hoje. Uma espécie de redenção? Mas a pessoa tem de ser estranha a você mesmo. Daquelas que você encontra na rua e despeja todos os problemas, como fazem os ex-habitantes egocêntricos da agenda do seu celular, que não te escutam. Um dia eu fiz isso, sabia? Eu tava triste. E todo mundo começou a perceber. Achei melhor sair de perto e fui pra dentro do carro. Eu tinha visto esse cara de longe, me deu passagem quando passei esmurrando o chão com o meu tênis. Ele continuou me olhando no carro. Que paciente, pensei. Ou psicopata? Depois de desabafar tudo o que eu tinha pra minha solidão, arrumei o cabelo e fui pra rua de novo. E não é que o rapaz veio conversar comigo? Num papo de que nunca traiu a namorada. O que será que ele tava querendo, heim? Como passei a odiar gente que apela pro perfil de bom moço, levantei e deixei ele lá falando de casamento e filhos. Mas antes fiz ele ouvir o motivo do minha decepção. Um massacre! Gente ingênua merece um pouco de zombaria. Te juro. Ficou sentado na sarjeta com ar de bobo. Eu falo, essa minha carinha de boazinha confunde mesmo. Mas eu gosto, sabia? No fundo devo gostar. É dúbio. Ninguém sabe o que você pensa. Até você se apaixonar - e ainda bem que isso é raro - e perder o controle de tudo. Nossa, como tá tarde. Acho que agora me deu sono e quero desligar. Oi? Se eu apaguei seu telefone? Sim. Te disse que apaguei de todo mundo. É que eu tinha anotado a caneta em algum lugar. No envelope da minha conta de celular. Veio alta. É isso mesmo. Você é do grupo que eu não sei o número. Daqueles que só sabem falar de si mesmos. Já me sinto vingada. Obrigada. Boa noite.

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