quinta-feira, 4 de junho de 2009

UM BEIJO EM REDE NACIONAL



É a avó da minha amiga Cristiana. Passa as tardes com a bunda fincada na poltrona e os olhos na televisão esperando dar a hora do programa de astrologia. Dona Julieta é fã do apresentador, não sei se por causa do queixo grande - igual ao do falecido marido - ou do sorriso de bom moço. Arrisco dizer que é paixão. Dona Julieta olha para a tela como eu, quando via a Alicia Silverstone nos videoclipes da MTV nos anos noventa.
Formei-me jornalista com o sonho de escrever para algum caderno de cultura, porém contas a pagar só combinam com os sonhos da hora de dormir. Quando Cristiana revelou à família que eu trabalhava no mesmo programa de astrologia, sua avó não se interessou em saber se o apresentador era realmente astrólogo, nem se era o próprio quem escrevia - de segunda a sexta, horário comercial - tudo o que os astros reservam aos signos do zodíaco.
Se me permitem confessar sem que suas ilusões, meus leitores, desfaçam-se com violência, eu sou o responsável pelo que acontece a cada um de vocês no amor, na carreira, na saúde e no sexo. Sei de cor o cruzamento dos signos e aconselho de antemão: piscianos, corram da cama dos sagitarianos!
No meio do almoço em que serviu coelho com alecrim, sua receita que mais detesto, dona Julieta me pediu:
- O Fernando Garcia poderia mandar um beijo pra mim?
Tocou a minha mão. Há uma certa doçura nesse tipo de desejo. Um beijo em rede nacional. Prometi, sem que o gosto seco da coxa do coelho e a aversão de Fernando Garcia a agradar fãs com beijinhos para as câmeras interferissem no compromisso que eu acabava de assumir.
Acho Fernando Garcia um homem cinza. Sempre tenho a impressão que as pessoas secam quando ele passa. Mesmo assim, decidi brigar pelo beijo de Dona Julieta. Ele fingiria não me ouvir e eu voltaria para casa satisfeito. Pelo menos tentei.
Aproveitei a terça-feira em que ganhei um bom dia de Fernando Garcia. Trabalhei a respiração, levantei-me da cadeira e andei em direção a ele, que olhou para dentro de mim. Sua expressão secou minhas mãos suadas de nervoso e a saliva da minha língua, que já implorava pelo gosto do coelho com alecrim de Dona Julieta. Desviei de Fernando Garcia e fui para a cozinha pegar um copo de água.

* CONTO QUE ESCREVI PRO SITE GUIA DA SEMANA
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