quinta-feira, 22 de novembro de 2007

À ESPERA DA BRAZOCA DE GENALVA

(Texto que concorre no Concurso Literário de novembro da Revista Piauí)

http://www.revistapiaui.com.br/2007/nov/concurso_p.htm#p

 

    "Genalva, vem me buscar que eu estou odiando." Desligou o celular pré-pago e limpou o visor na jaqueta. Joana não era dada a festas de família. A tia perguntando quando iria se casar. A avó vagando pelo salão escondendo bolachas Maizena nos bolsos do penhoir. A mãe, Dona Edi, escancarando a vida dela para quem quisesse ouvir. A solução, depois que completou dezoito, era se embriagar com latinhas de cerveja Cintra. Ainda por cima não entendiam nada de bebida! Mas a cerveja subia que era uma coisa! E tinham os risoles encomendados da padaria do bairro da Casa Verde. Odiava aquela massinha branca que ficava nos dentes sempre que mordia um. Recorria à torneira do banheiro unissex, limpava os dentes e voltava ao porre: bebida e festa.
    Enquanto Genalva não chegava, o primo arriscou uma conversa boba. Menos mal. Ela tinha mais paciência para pagode do que para as pitangas que a tia solteirona chorava depois do Parabéns Pra Você, seguido de Com Quem Será?. Assim resgatou da pré-adolescência Domingo do Só Pra Contrariar. O primo não se lembrou. “Cadê você, Genalva?” Abriu a quinta latinha e desejou que o barulhinho da pressão fosse mais longo. Deus! Como gostava daquele som! Recordou-se de Rony. Sempre que levava um fora dele, conhecia alguém interessante. No último, Genalva, que surgiu dizendo “Olá” e abrindo uma cerveja. Nada romântico, mas o jeito como ela consolou suas lágrimas minutos depois, faria até a mãe de Joana aceitar. Almoçariam com Dona Edi aos domingos.
    Ainda não avistava a Brasília de Genalva. Uma droga ser garçonete! Nem dinheiro para comprar uma Vespa e adquirir a liberdade de ir e vir! Poderia usar botas de couro, enquanto recebesse o vento das ruas de São Paulo no rosto! Ao estacionar em frente ao serviço, tiraria o capacete vermelho, balançaria o cabelo e acenderia um Marlboro Light. Fumaria até se encher. Ao fim, jogaria a bituca no chão e apagaria com o pé. Sim, ela tinha seus momentos femininos, apesar de odiar saias. Mas não tinha uma Vespa e dependia da Brazoca da Genalva. Uma ponta de inveja da esposa!
    Ouviu o barulho do motor típico dos carros dos anos 80. Joana disse “Tchau” sem olhar para ninguém e desceu as escadas em direção à rua. Antes de entrar no carro, a mãe saiu à porta. “Arranjem logo um namorado! O povo comenta!” Joana inspirou fundo todo o ar da Casa Verde e se sentou no banco cheio de pó. Genalva ligou o RoadStar na Nova Brasil FM. Tocava uma música da Ana Carolina. As duas sorriram e foram embora dublando Pra Terminar.

 

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