sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

MENINOS!

Era o menino mais bonito do colégio. Tinha uma cicatriz no rosto, na altura da maçã esquerda, e os olhos de peixe morto. Era artilheiro do campeonato de futebol e beijava a camiseta com grosseria e catarro a cada gol marcado. Corintiano. Na sala de aula, sentava-se nas carteiras do fundo e tirava notas baixas em Estudos Sociais. Faziam camisetas com a foto dele e colocavam-se inimigas e próximas na arquibancada. Ele agradecia a atenção descarada com carrinhos, faltas, palavrões e gols. Tantos gols que alguns o detestavam. O restante o amava. Vez ou outra, durante o gozo da vitória, mandava um beijo no ar para as torcedoras. Apenas um. Que o fisgasse, como uma boa goleira, e guardasse debaixo da blusa entre o seio e o sutiã, qualquer uma - ou a mais disponível. No dia seguinte um bate-boca vazava do banheiro até o corredor das salas de aula. O beijo é meu! Não, foi pra mim! Não se engane, ele já me confessou. Em meus sonhos... Nunca revelou o nome das destinatárias. Aos nove anos, era rei. A última palavra era dele. Queremos show de música, em vez de teatro. Cuidaremos da barraca do coelho na Festa Junina. Foi o bedel! Amanhã não venho. Os professores e até a diretora sabiam o seu nome.

Alice se encantava com tanta popularidade. Alice. Míope. Quatro graus no direito. Cinco no esquerdo. Alice dez em matemática. Fileira da parede, mesa um. Alice morrendo de vontade de pentear o cabelo da professora junto com as outras meninas. Alice desenhada na lousa da sala. Nariz e aparelho de dentes exagerados. Alice poucos amigos. Alice virgem de lábios, de mãos e de despertar paixões. Mas meiga. Sua meiguice acreditou nele durante o recreio cheio de alunos barulhentos no Pátio da Figueira:

- Alice!

O sangue dela tremeu. O menino mais bonito do colégio sabia o seu nome. Quieta, quente e com dificuldade para respirar, olhou para ele em destaque rodeado por seus seguidores.

- Alice, você tem telefone?

Ele ligaria à noite? Confessaria que o destino de seus beijos voadores é o rosto dela? Poderia ensinar matemática para ele toda quarta-feira depois das aulas e a mãe lhes seviria leite com achocolatado e bolachas. As meninas morreriam de inveja. Todas. Principalmente aquelas irmãs vindas do interior. Lindas, mas tolas. Talvez ele gostasse de garotas diferentes da maioria das meninas do colégio. Umas chatas. Garotas como Alice. Que não usam brincos e não menstruam. Que esmagam folhas secas e sonhos entre as páginas de seus diários. Até aquele dia não se lembrava de ter ouvido o seu nome preencher a boca de alguém do colégio. Mesmo os profesores o trocavam com frequencia irritante por Aline. Entusiasmada com a idéia de alguém achá-la especial, sorriu. A luz do sol trombou com o aparelho fixo - enfeitado com elásticos amarelinhos - e metralhou reflexos, cegando a platéia que prestigiava o primeiro flerte dela. Misturados a ansiedade, dentes, metal e luz, números:

- Dois nove oito vinte e três...

Foi interrompida por:

- Então vende e faz uma plástica!

e risadas. Alguns da platéia caindo no chão, pondo-se mais ridículos do que ela. Dedos apontando Alice. Ela escondendo a vergonha na cabine de um banheiro pichado. Alice tomando falta na aula depois do recreio. A raiva arranhando seus pulsos. O futuro de Alice sangrando. O futuro de Alice sem aparelhos celulares.

     

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...