para ler ouvindo a respiração de alguém
Alice procurou debaixo do sofá. Lá, nem os pelos do cachorro de antes. Abriu as gavetas. Calcinhas, sachês, camisinhas e uma gilette manchada. Nem sinal. Dentro do diário, nada além de flores secas enfeitando confissões mudas. Olhou-se no espelho e espiou debaixo da língua. Só saliva. Cadê? Então, Alice saiu correndo de casa deixando a porta aberta. Os olhos caçadores. Pela rua. Descalça. O sol cobrindo os fios avermelhados do cabelo dela. Talvez lambe-lambes nos postes recuperassem o desaparecido! Talvez fosse tarde para uma ligação. O desespero ignorou o frio melancólico de outono. Gosta de usar cinza nessa estação. Alice parou na esquina. Tentou respirar. Impossível, quando o coração proíbe até a entrada do ar. O horizonte começava a borrar. Ainda tentou descortinar a paisagem para ver se encontrava. Mas ela partia para que o escuro também ocupasse o olhar. Então desmaiou. A cabeça estapeou a quina da calçada. Perto do esgoto, o sangue coloriu o cimento. Antes que se transformasse na lembrança empoeirada de uma mulher solitária, pediu baixinho: enterre o meu coração dentro do seu.
3 comentários:
que seja feita a sua vontade... Amei!!!*Beeeejo;-)
"Impossível, quando o coração proíbe até a entrada do ar."
ai...
O frio melancólico do outono e todas as proporções. 365 dias depois, ahh, o outono - o sangue que correu pela guia gelada ainda está quente. Lembra, mas esquece.
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